quarta-feira, 19 de junho de 2013

O Sonho de Ivar

- Ivar! Venha para dentro!

Ele mal escutava os gritos da mãe enquanto estava nas margens do rio. Costumava correr pela mata antes mesmo que o sol nascesse, quando tudo ainda era cinza e escuro nas madrugadas do inverno na Gália. Principalmente depois de seu décimo segundo aniversário, quando as coisas apareciam tão diferente para seus olhos infantis. Gostava de ver as cores que saiam dos animais. Como era mais fácil percebe-los daquela forma. Ali, em meio a floresta ele se sentia como se fosse parte dela. Se sentia forte. Muito alem do que jamais sonharia ser em seus sonhos de menino.

Era inicio do inverno aquela manhã, o sol já havia surgido e iluminava porcamente o caminho por entre as copas congeladas e cinzas da floresta. O caminho branco que levava até as margens do rio era seguido por ele. Sentia o respirar denso, a fumaça que saia da boca a cada passo que avançava em direção à água gelada. Desta vez, havia avançado mais. Era como se pudesse escutar algo a lhe chamar, a exigir sua presença mais adentro da floresta. Apenas seguia os fios luminosos que saiam de seu corpo e seguiam ligando-se a cada elemento que havia ali. Mas principalmente que pareciam servir de guia para o caminho que levava mais adentro.

Ele deixou que os pés seguissem pelo caminho de neve, era dificil descrever a sensação que tomava o pequeno Ivar aquele momento. A voz da mãe ja tinha dado lugar aos ruidos da floresta, ao farfalhar das folha e o ruido dos ventos. Foi quando a viu pela primeira vez. Ela estava no centro de uma clareira. O tronco esbranquecido pelo frio do inverno se erguia imponente abrindo caminho. Ele jamais tinha visto uma árvore tão alta. Se espalhava em galhas quase secas e esbranquiçadas que deixavam pender ao longo de sua madeira folhas vermelhas como o sangue. Um contraste lúdico naquele visual branco. Era um Bordô. Haviam outros menores ao seu redor, mas ela. Ela estava ali. Ivar não conteve o sorriso e o fascinio que ela tinha sobre ele. Caminhou lentamente na direção da árvore. Sentia os feixes de luz que saiam de seu corpo seguirem para ela, se confundirem nos que saiam dela em sua direção.

Ajoelhou-se diante dela e esticou a mão. Os pequeninos dedos puderam tocar o tronco daquela enorme arvore. Era como se aquela estrutura tivesse vida. Como se fluisse entre seus ramos e caule cada particula de vida que existia em Ivar. E pela primeira vez, ele pôde ouvir. De inicio não entendeu direito o que aquelas palavras tão antigas sussurradas em sua mente queriam dizer, mas depois, eram tão claras. Como se ele nunca tivesse deixado de falar aquela língua. Eram óbvias e contavam novidades, contavam fatos ocorridos ao redor de um mundo que ele sequer tinha ideia de que existia. Foi a primeira vez que ele se lembra de ter chorado. Chorou de uma saudade inexplicável. De uma necessidade extrema de gritar que estava feliz. Que estava completo e assim abraçou a árvore. E naquela madrugada ele soube que embora não tivesse aberto a boca para dizer uma palavra, de alguma maneira ela sabia tudo sobre ele.

            Não lembra quando adormeceu aos pés da árvore. Sentia-se protegido e tranquilo. Acordou quando os raios de sol passaram pelas folhas vermelhas e tocaram seu rosto. Ouviu as vozes que vinham pela floresta.

- Ivar! Onde está?! Sua mãe vai arrancar o seu couro e o meu pequeno, ande! A comida está quente!
           
            Era a voz de seu pai. Levantou as pressas ajeitando a capa de peles que tinha sobre os ombros. Olhou para a arvore e sorriu em despedida e promessa. Voltaria. Para todo o sempre, voltaria.

            Abriu os olhos. Era madrugada em Lendas Urbanas e Sandra dormia em seus braços. O bordo. Seu Daemon parecia acordar novamente dentro dele enchendo seu peito de saudade e culpa. E pela primeira vez em anos, sentou-se na cama. E chorou.


Cronica by Mathew Draconia

“O sonho de Ivar”

Capitulo I

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