- Ivar! Venha para
dentro!
Ele mal escutava os gritos da mãe enquanto estava nas margens do rio.
Costumava correr pela mata antes mesmo que o sol nascesse, quando tudo ainda
era cinza e escuro nas madrugadas do inverno na Gália. Principalmente depois de
seu décimo segundo aniversário, quando as coisas apareciam tão diferente para
seus olhos infantis. Gostava de ver as cores que saiam dos animais. Como era
mais fácil percebe-los daquela forma. Ali, em meio a floresta ele se sentia
como se fosse parte dela. Se sentia forte. Muito alem do que jamais sonharia
ser em seus sonhos de menino.
Era inicio do inverno aquela manhã, o sol já havia surgido e iluminava
porcamente o caminho por entre as copas congeladas e cinzas da floresta. O
caminho branco que levava até as margens do rio era seguido por ele. Sentia o
respirar denso, a fumaça que saia da boca a cada passo que avançava em direção à
água gelada. Desta vez, havia avançado mais. Era como se pudesse escutar algo a
lhe chamar, a exigir sua presença mais adentro da floresta. Apenas seguia os
fios luminosos que saiam de seu corpo e seguiam ligando-se a cada elemento que
havia ali. Mas principalmente que pareciam servir de guia para o caminho que
levava mais adentro.
Ele deixou que os pés seguissem pelo caminho de neve, era dificil
descrever a sensação que tomava o pequeno Ivar aquele momento. A voz da mãe ja
tinha dado lugar aos ruidos da floresta, ao farfalhar das folha e o ruido dos
ventos. Foi quando a viu pela primeira vez. Ela estava no centro de uma
clareira. O tronco esbranquecido pelo frio do inverno se erguia imponente
abrindo caminho. Ele jamais tinha visto uma árvore tão alta. Se espalhava em
galhas quase secas e esbranquiçadas que deixavam pender ao longo de sua madeira
folhas vermelhas como o sangue. Um contraste lúdico naquele visual branco. Era
um Bordô. Haviam outros menores ao seu redor, mas ela. Ela estava ali. Ivar não
conteve o sorriso e o fascinio que ela tinha sobre ele. Caminhou lentamente na
direção da árvore. Sentia os feixes de luz que saiam de seu corpo seguirem para
ela, se confundirem nos que saiam dela em sua direção.
Ajoelhou-se diante dela e esticou a mão. Os pequeninos dedos puderam
tocar o tronco daquela enorme arvore. Era como se aquela estrutura tivesse vida.
Como se fluisse entre seus ramos e caule cada particula de vida que existia em
Ivar. E pela primeira vez, ele pôde ouvir. De inicio não entendeu direito o que
aquelas palavras tão antigas sussurradas em sua mente queriam dizer, mas
depois, eram tão claras. Como se ele nunca tivesse deixado de falar aquela língua.
Eram óbvias e contavam novidades, contavam fatos ocorridos ao redor de um mundo
que ele sequer tinha ideia de que existia. Foi a primeira vez que ele se lembra
de ter chorado. Chorou de uma saudade inexplicável. De uma necessidade extrema
de gritar que estava feliz. Que estava completo e assim abraçou a árvore. E
naquela madrugada ele soube que embora não tivesse aberto a boca para dizer uma
palavra, de alguma maneira ela sabia tudo sobre ele.
Não lembra quando adormeceu aos pés
da árvore. Sentia-se protegido e tranquilo. Acordou quando os raios de sol
passaram pelas folhas vermelhas e tocaram seu rosto. Ouviu as vozes que vinham
pela floresta.
- Ivar! Onde está?!
Sua mãe vai arrancar o seu couro e o meu pequeno, ande! A comida está quente!
Era a voz de seu pai. Levantou as
pressas ajeitando a capa de peles que tinha sobre os ombros. Olhou para a
arvore e sorriu em despedida e promessa. Voltaria. Para todo o sempre,
voltaria.
Abriu os olhos. Era madrugada em
Lendas Urbanas e Sandra dormia em seus braços. O bordo. Seu Daemon parecia
acordar novamente dentro dele enchendo seu peito de saudade e culpa. E pela
primeira vez em anos, sentou-se na cama. E chorou.
Cronica by Mathew
Draconia
“O sonho de Ivar”
Capitulo I
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